A chuva — ou a falta dela — e a crise econômica
estão afetando até o São João este ano. A menos de dois meses do início
dos festejos juninos, várias prefeituras já anunciaram que o arrasta-pé
está comprometido.
Os casos mais drásticos são os dos municípios de
Santo Amaro, no Recôncavo, Candeias, na Região Metropolitana, e Sento
Sé, no Vale do São Francisco, onde as festas foram definitivamente
canceladas. Com sérios danos causados pela chuva do último dia 13 de
abril, Santo Amaro ainda faz as contas do prejuízo.
Mais de mil pessoas ficaram desabrigadas e a cidade
vive em situação de emergência desde o dia 18. Na semana passada, o
prefeito Ricardo Machado (PT) tomou uma decisão: “Diante disso tudo, o
caminho é não fazer a festa. Provavelmente, em algumas comunidades e
bairros, a população vai fazer alguma coisa, ‘vaquinhas’. Mas a
prefeitura não vai fazer nenhum gasto”, assegurou o prefeito.
Segundo ele, R$ 1,5 milhão já estava destinado à
festa deste ano, mesmo orçamento do São João de 2014, que teve atrações
como a banda Calcinha Preta, além dos cantores Del Feliz, Beto Barbosa,
Cicinho de Assis e Virgílio. “Agora, o dinheiro vai para as ações
emergenciais”, disse Machado.
A
cidade de Candeias também decidiu destinar a verba junina para
minimizar os estragos da chuva, que atingiu a cidade no mesmo período.
“Só com as bandas, seriam R$ 400 mil, mas o nosso São João gira em
torno de R$ 600 mil”, disse o prefeito Sargento Francisco, do PSD. O
município decretou situação de emergência e aguarda ajuda dos governos
estadual e federal.
Mas, ao mesmo tempo em que há cidades sofrendo com a
chuva, outras penam com a seca. Em Sento Sé, no Vale do São Francisco,
15.749 pessoas estão afetadas pela seca, e a cidade, em situação de
emergência, também desistiu da festa de São João.
Os R$ 400 mil que seriam gastos com a festa deste
ano serão revertidos para ações emergenciais de combate à estiagem. O
decreto, assinado pelo prefeito Ednaldo dos Santos Barros (PSDB), no dia
8, determina o cancelamento de qualquer atividade comemorativa com
recursos do município enquanto durar a situação de emergência.
Segundo Ednaldo, é preciso manter “os serviços básicos de saúde, educação, assistência social e cidadania”.
Emergência
Segundo a Superintendência de Proteção e Defesa
Civil da Bahia (Sudec), há hoje 27 municípios baianos em situação de
emergência por conta da seca – e 358.026 pessoas afetadas por isso – e
outros dois em emergência devido à chuva – com mais 8.700 atingidos
(veja no mapa).
“Em situações de emergência, os gastos da cidade se
concentram na emergência. Você passa a concentrar esforços para atender
as pessoas que estão precisando, e você tem ajuda estadual e federal
para mais rapidamente atender a população que está precisando de água,
ou para consertar uma rua que a quebrou por conta da chuva, ou
reconstruir uma estrada vicinal”, exemplifica o superintendente da
Sudec, Rodrigo Hita.
Cortes
A presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB),
Maria Quitéria Mendes, demonstrou preocupação com a escassez de
recursos. “A situação está precária, pior do que nunca. Tem município
este ano com arrecadação menor mês a mês. Com a diminuição da receita,
alguns já sinalizaram que não vão fazer festa este ano. Outros vão
priorizar por conta da tradição, mas, com certeza, vai ser um São João
menos expressivo e com menos gastos”, disse.
Enquanto os cancelamentos foram feitos em cidades
onde há emergência por conta da seca ou da chuva, municípios com festas
tradicionais como Amargosa, Cruz das Almas, Piritiba, Senhor do Bonfim e
Ibicuí já anunciaram que os investimentos este ano serão menores,
diante da crise financeira.
Amargosa, no Centro-Sul, que no ano passado teve
Danniel Vieira, Dorgival Dantas, Alceu Valença e Jorge & Mateus na
grade de programação, ainda não sabe o que fará com a festa este ano. A
prefeitura informou que, a esta altura, ainda está “estudando as
atrações que vai contratar” porque tem “consciência da crise”.
Em Cruz das Almas, no Recôncavo, onde os festejos
juninos costumam durar 30 dias, a programação este ano foi reduzida.
“Ainda não sei de quanto vai ser a redução no orçamento, mas vamos fazer
um São João menor, com cinco dias apenas. Os municípios brasileiros
estão sofrendo muito, principalmente os baianos”, disse o vice-prefeito
Ednaldo José Ribeiro, do PTC, que também coordena a execução da festa
local.
A crise ainda bate à porta do São João de Senhor do
Bonfim e de Piritiba, ambas no Centro-Norte. Em Bonfim, a organização
anuncia que fará os festejos com boa parte das atrações locais. Em
Piritiba, a diretora de Cultura, Valdívia Lima, concorda: “Com certeza,
teremos redução de custos. Este ano, priorizamos um São João mais
típico, com muita participação de quadrilhas, comidas típicas, casamento
caipira. Vamos preencher, ao máximo, a programação com trios
nordestinos”.
Ibicuí, no Centro-Sul, que em 2014 gastou R$ 860 mil
com a festa de São João, vai empregar este ano R$ 680. O corte no
orçamento é de 20%. “A gente está em negociação com as bandas, porque os
valores que foram pagos no ano passado não são possíveis este ano, já
que os recursos reduziram muito. Bandas de R$ 40 mil, R$ 50 mil, a gente
está tentando fechar em R$ 25 mil ou R$ 30 mil”, disse Neto Santos,
diretor de comunicação.
Prioridades
Mesmo diante da necessidade de concentrar os gastos
públicos na redução de danos provocados pela seca ou pela chuva, há
municípios em situação de emergência que, ainda assim, decidiram fazer a
festa. É o caso das cidades de Tucano, Pilão Arcado, Cansanção e
Andaraí, todas sofrendo com a seca.
Tucano, no Nordeste do estado, decidiu reduzir o
número de palcos da festa que acontece no distrito de Caldas do Jorro. O
diretor de comunicação Josevaldo Campos informou que a previsão é
reduzir o orçamento de 30% a 40%.
“Manteremos os três dias de festa, mas reduziremos
para um palco, em vez de dois, e também uma quantidade menor de bandas”,
disse. A prefeitura se antecipou na busca por patrocínio privado e já
pediu apoio ao estado. A Secretaria de Turismo disse que os detalhes
estão em análise.
A prefeitura de Tucano chegou a publicar um decreto
em que ficava proibida a realização de festejos com dinheiro público,
mas foi deixada uma brecha para o São João. Em Pilão Arcado, a festa que
não foi cancelada é a de Santo Antônio, de 10 a 13 de junho.
O diretor de eventos da cidade, Hagamenon Mangueira,
disse que a prefeitura cancelou o Carnaval fora de época, em janeiro,
para que não fosse cancelado o Santo Antônio. “A gente vai gastar entre
R$ 300 mil e R$ 400 mil. No ano passado foi um pouquinho mais” disse,
sem especificar valores.
“É uma questão cultural, o pessoal cobra bastante e
não quer nem saber se está em emergência ou não. “A gente decidiu fazer
para não acabar com uma tradição”, justificou Mangueira.
A presidente da UPB, Maria Quitéria, disse que a
recomendação vai no caminho oposto, mas justificou que, em alguns casos,
o patrocínio cobre as despesas: “Tem uma recomendação para não se fazer
(a festa) para municípios que estiverem com decreto de emergência, por
existirem outras prioridades. Mas alguns fazem porque também têm
patrocínio e não interfere nas despesas do município”.
As cidades de Andaraí, na Chapada Diamantina, e
Cansanção, no Nordeste, também não cancelaram, mas alegam que os gastos
são pequenos, apenas com contratação de um trio de forró e estrutura
para a apresentação.
Artistas mantêm agenda, mas notam dificuldades
Quem está acostumado a aumentar o volume de trabalho
no período junino também percebe os efeitos da crise. O forrozeiro
Adelmário Coelho é um deles.
“O mercado todo está retraído. Em termos de pedidos,
por se tratar de um artista do segmento de forró genuíno, da linha de
Luiz Gonzaga, os pedidos são intensos. Mas, se eu tinha 300 municípios,
eu fui para 200”, avalia o diretor comercial e de marketing do artista,
William Coelho.
De acordo com William, a redução de patrocinadores
também afeta os trabalhos este ano. Ele cita o caso da Petrobras, que
sempre foi um dos principais financiadores, mas que hoje passa por
crise. Outra situação comum este ano é o pedido de redução de cachê.
“Antigamente, tinha atrações de peso nacional acima
de R$ 200 mil. Hoje, eu desconheço a prefeitura que contrata, a menos
que tenha um grande patrocinador”, observa. O forrozeiro Del Feliz
também diz que observa uma conjuntura diferenciada na festa que
considera a mais importante manifestação cultural nordestina.
“Este ano, de fato, existe uma conjuntura econômica
diferenciada. Agora, óbvio que existem algumas situações em que a gente
colabora com o valor, mas isso acontece praticamente todo ano”, diz.
Para Del, nas cidades em que haverá festa mesmo diante das dificuldades,
essa situação acaba forçando os municípios a priorizarem um São João
“mais autêntico”. Ao mesmo tempo, Del Feliz diz entender a necessidade
de cancelar alguns festejos.
(correio)
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