Uma versão preliminar do manifesto, obtida pela reportagem da revista Exame, conta com cerca de 150 nomes
Artistas, advogados, ativistas e empresários articulam um manifesto
contra a candidatura de Jair Bolsonaro. O documento intitulado “Pela
democracia, pelo Brasil” não indica apoio à candidatura do PT nem de
qualquer um dos adversários do deputado, mas afirma ser necessário um
movimento contra o projeto antidemocrático do candidato do PSL.
“É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de
Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio
civilizatório primordial. É preciso recusar sua normalização, e somar
forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre
nós”, diz o texto.
Segundo o documento, o País já teve em Jânio Quadros e Fernando
Collor de Mello “outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos
como supostos redentores da ética e da limpeza política”, mas que
acabaram levando o Brasil ao “desastre”.
“Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos
outros regimes autocráticos na história e no presente foram
originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a
credibilidade
de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados
desmandos autoritários”, diz outro trecho.
Uma versão preliminar do manifesto, obtida pela reportagem da revista
Exame, conta com cerca de 150 nomes, entre eles os de Maria Alice
Setúbal, educadora e acionista do Itaú Unibanco; do economista Bernard
Appy; do empresário Guilherme Leal, sócio da Natura; de Caetano Veloso e
Paula Lavigne; do advogado e professor da FGV Carlos Vilhena; e do
médico Drauzio Varella.
Caetano e Paula Lavigne declararam apoio a Ciro Gomes (PDT) nesta
eleição. Maria Alice Setúbal e Guilherme Leal já atuaram ao lado de
Marina Silva (Rede) em pleitos passados, mas não têm papel na campanha
atual da ex-senadora.
O manifesto deve ser lançado ainda neste domingo, 23, com uma relação
inicial de signatários e ficará hospedado num site próprio do
movimento. A lista ficará aberta para quem quiser incluir a assinatura.
O documento foi fechado na quinta-feira pelas mãos de um grupo de
amigos, entre eles o advogado José Marcelo Zacchi. O texto foi sendo
circulado em grupos de Whatsapp a partir de sexta e ganhando adesões ao
longo do fim de semana.
Segundo Zacchi, o objetivo é reunir vozes que representem diversos
segmentos da sociedade e possam mobilizar esses setores. “É sobre
repudiar um projeto que nos parece contrário aos princípios
democráticos”, diz. “É um chamado para quem vota em quem quer que seja,
mas está dentro do campo democrático”.
Leia abaixo a íntegra do manifesto:
“Pela Democracia, pelo Brasil
Somos diferentes. Temos trajetórias pessoais e públicas variadas.
Votamos em pessoas e partidos diversos. Defendemos causas, ideias e
projetos distintos para nosso país, muitas vezes antagônicos.
Mas temos em comum o compromisso com a democracia. Com a
liberdade, a convivência plural e o respeito mútuo. E acreditamos no
Brasil. Um Brasil formado por todos os seus cidadãos, ético, pacífico,
dinâmico, livre de intolerância, preconceito e discriminação.
Como todos os brasileiros, sabemos da profundidade dos desafios
que nos convocam nesse momento. Mais além deles, do imperativo de
superar o colapso do nosso sistema político, que está na raiz das crises
múltiplas que vivemos nos últimos anos e que nos trazem ao presente de
frustração e descrença.
Mas sabemos também dos perigos de pretender responder a isso com
concessões ao autoritarismo, à erosão das instituições democráticas ou à
desconstrução da nossa herança humanista primordial.
Podemos divergir intensamente sobre os rumos das políticas
econômicas, sociais ou ambientais, a qualidade deste ou daquele ator
político, o acerto do nosso sistema legal nos mais variados temas e dos
processos e decisões judiciais para sua aplicação. Nisso, estamos no
terreno da democracia, da disputa legítima de ideias e projetos no
debate público.
Quando, no entanto, nos deparamos com projetos que negam a
existência de um passado autoritário no Brasil, flertam explicitamente
com conceitos como a produção de nova Constituição sem delegação
popular, a manipulação do número de juízes nas cortes superiores ou
recurso a autogolpes presidenciais, acumulam declarações francamente
xenofóbicas e discriminatórias contra setores diversos da sociedade,
refutam textualmente o princípio da proteção de minorias contra o
arbítrio e lamentam o fato das forças do Estado terem historicamente
matado menos dissidentes do que deveriam, temos a consciência inequívoca
de estarmos lidando com algo maior, e anterior a todo dissenso
democrático.
Conhecemos amplamente os resultados de processos históricos
assim. Tivemos em Jânio e Collor outros pretensos heróis da pátria,
aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza
política, para nos levar ao desastre. Conhecemos 20 anos de sombras sob a
ditadura, iniciados com o respaldo de não poucos atores na sociedade.
Testemunhamos os ecos de experiências autoritárias pelo mundo,
deflagradas pela expectativa de responder a crises ou superar impasses
políticos, afundando seus países no isolamento, na violência e na ruína
econômica. Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e
diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram
originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a
credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados
desmandos autoritários.
Em momento de crise, é preciso ter a clareza máxima da responsabilidade histórica das escolhas que fazemos.
Esta clareza nos move a esta manifestação conjunta, nesse momento
do país. Para além de todas as diferenças, estivemos juntos na
construção democrática no Brasil. E é preciso saber defendê-la assim
agora.
É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de
Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio
civilizatório primordial. É preciso recusar sua normalização, e somar
forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre
nós.
Prezamos a democracia. A democracia que provê abertura, inclusão e
prosperidade aos povos que a cultivam com solidez no mundo. Que nos
trouxe nos últimos 30 anos a estabilidade econômica, o início da
superação de desigualdades históricas e a expansão sem precedentes da
cidadania entre nós. Não são, certamente, poucos os desafios para
avançar por dentro dela, mas sabemos ser sempre o único e mais promissor
caminho, sem ovos de serpente ou ilusões armadas.
Por isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa em
qualquer situação, e nos reunimos aqui no chamado para que novas vozes
possam convergir nisso. E para que possamos, na soma da nossa
pluralidade e diversidade, refazer as bases da política e cidadania
compartilhadas e retomar o curso da sociedade vibrante, plena e exitosa
que precisamos e podemos ser.”
24/09/2018
Grupo de artistas, economistas e empresários lançam manifesto contra Bolsonaro
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