O Tribunal de Justiça da Bahia em Nazaré determinou
a transferência do corpo de Mãe Stella de Oxóssi para o Ilê Axé Opô
Afonjá, em Salvador. Na decisão, a juíza Caroline Rosa de Almeida
Velame Vieira ainda determinou que o supultamento não seja realizado em
Nazaré, onde ocorre o velório nesta sexta-feira (28).
O pedido foi feito à Justiça pela Sociedade Cruz
Santa, entidade civil que mantém e administra o Ilê Axé Opô Afonjá. As
petições foram protocoladas durante a madrugada desta sexta.
Na decisão, a juíza entendeu que "se deve conceder à comunidade o
exercício do culto religioso, ante a supremacia do princípio que aqui
seria violado, de forma irreversível, do exercício livre da religião da
qual a Iya Stella de Oxossi era líder, bem como a proteção do patrimônio
histórico e cultural do exercício da religião de matriz africana".
No pedido para a Justiça, a Sociedade argumenta que é necessário fazer
as "obrigações religiosas referente a religião de matriz africana
candomblé, o ritual do sepultamento e, subsequente, do axexê".
"Nos ritos de religião de matriz africana, o
sepultamento e o ritual do axexê é fundamental, sobretudo, para uma
líder religiosa, para tal desiderato é necessário que seu corpo físico,
mesmo que morto, esteja dentro do espaço religioso no qual foi
sacralizado, no caso de Mãe Stella de Oxóssi esse lócus é o terreiro do
Ilê Opô Afonjá".
Eles ainda consideraram que o velório e sepultamento
fora do terreiro é "uma afronta a toda a uma tradição religiosa
Africana a eus acomunidade". A juiza afirmou, em sua decisão, que a não
relização do ritual religioso seria uma "medida irreversível" e que
poderia colocar em risco a "continuidade dos ritos religiosos" do
terreiro.
"Nesse nessa monta, ante a precariedade da decisão
vê-se que causará menos prejuízo se o velório se der em Salvador, visto
que assim se estará evitando que todo um culto religioso seja violado
ante a alteração do lugar do sepultamento da Iya Stella de Oxossi, ainda
que indo contra o exercício da companheira de escolher o local de
sepultar o corpo conforme direito que lhe assiste", acrescentou a juíza.
Em nota, a Comissão Especial de Combate à
Intolerância Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional
Bahia (OAB-BA) se manifestou afirmando que entende que a realização do
velório e enterro deveria ser feito com o ritual religioso.
"Assim, a prima facie, o conjunto de elementos
próprios ao cerimonial fúnebre nos termos da profissão de fé da
liderança religiosa deve ser rigorosamente respeitado, em consideração à
memória e empenho sobre-humano da religiosa em testemunhar da religião
de matriz africana de forma sensível e translúcida", diz a nota.
Confira nota na íntegra:
Mãe Stella de Oxóssi formou-se pela Escola de
Enfermagem e Saúde Pública e iniciou sua função religiosa em 1976,
quando escolhida como quinta iyalorixá da tradicional casa Ilê Axé Opó
Afonjá, a qual, sob sua guia, foi tombada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1999.
Mãe Stella de Oxóssi transcende a poderosa
representatividade religiosa dada a importância sociocultural e política
de suas produções literárias e artísticas, tendo ascendido à cadeira 33
na Academia Baiana de Letras, cujo patrono é Castro Alves, bem como por
figurar como proeminente ativista e militante de movimentos sociais
marcada pela luta pela igualdade racial e reproche ao ódio religioso.
Ciente da existência de litígio judicial em
torno do sepultamento de Mãe Stella de Oxóssi, no qual se discute a sua
realização em Nazaré das Farinhas, cidade em que vivia nos últimos meses
com a sua companheira ou a transferência de seu corpo para Salvador, a
fim de promover o cumprimento dos preceitos junto ao Ilê Axé Opô Afonjá,
considerando que a sucessão espiritual que culminará na substituição da
sacerdotisa prescinde da liturgia que envolve o sepultamento seguida do
axexê, sob pena da inviabilização das atividades da casa e realização
das obrigações de práxis, manifestamo-nos sobre o impasse instaurado.
A Comissão entende que, diante de toda uma vida
dedicada ao Candomblé, mediante entrega voluntária ao sacerdócio,
promovendo e defendendo a fé, além da longeva atuação na preservação da
religião e da religiosidade como elementos identitários da cultura
brasileira, a menos que existe disposição de última vontade (o que é
desconhecido) de Mãe Stella de Oxóssi, como testamento ou codicilo, em
sentido divergente, ou seja, que aponte a recusa ou negativa do ritual
religioso de passagem previsto, dever-se-ia assegurar-lhe a realização,
em consonância com o art. 5º, inciso VI da CF no qual verifica a
inviolabilidade da “liberdade de crença” e a garantia “na forma da lei a
proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
Mãe Stella de Oxóssi faz jus a todas as honras
reservadas a uma sacerdotisa de sua grandeza, de acordo com a tradição
que durante tantos anos observou, ensinou e conferiu ampla publicidade.
Assim, a prima facie, o conjunto de elementos próprios ao cerimonial
fúnebre nos termos da profissão de fé da liderança religiosa deve ser
rigorosamente respeitado, em consideração à memória e empenho
sobre-humano da religiosa em testemunhar da religião de matriz africana
de forma sensível e translúcida.
(Correio da Bahia)
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